segunda-feira, 7 de março de 2011

Legados de Olympe de Gouges e as Intenções Subjetivas da Inclusão

Inclusão é um termo constantemente utilizado para favorecer um grupo minoritário a possuir as mesmas acessibilidades que um grupo majoritário recebe há muito tempo, unificando-os, minimizando-se a dicotomia. Entretanto, psicossocioculturalmente, neste último grupo, geralmente há a tendência de ocorrer desconfortos, visto que, subjetivamente, sua área existencial é minimizada para que outrem possa ocupar um espaço considerado fértil. Ou seja, se antes uma pessoa possuía um espaço aproximadamente de 1 metro quadrado, com a inclusão, a mesma pessoa, adquire 0,99 metros quadrados. E isto, de acordo com nossa formação subjetiva e cultural, constitui-se em um incômodo, que movimenta os famosos preconceitos.

Alberto Dines, jornalista, escritor e professor, em “Mídia, Civilidade e Civismo” argumenta que “pré+conceito, o ‘preaconceptu’ latino, é um julgamento prévio, sem ouvir as partes, posição irrefletida, pré+concebida, irracional. Também pode ser entendido como um pré+juízo, tanto que em espanhol de diz ‘prejuício’, em francês, é ‘prejugé’, em inglês, ‘prejudice’, e em alemão, ‘vorurteil’. Em todos os casos, a mecânica etimológica é idêntica: o prefixo indicando antecipação e, o resto, significando julgamento... Em português, o preconceito também significa dano, estrago, perda, em outras palavras, a adoção sumária de uma opinião ou critério, antes de passar pelo filtro de um julgamento equânime, constitui um mal, ofensa moral” (1996/1997, p. 46).

Nisto, o “sapere aude”, o ouse saber de Kant durante o Iluminismo no século XVII e a “Liberté, Egalité, Fraternité” de Jean-Jacques Rousseau perante a Revolução Francesa no século XVIII, são lemas que oportunizaram conquistas, todavia, eles estão funcionalmente transparentes e subjetivamente opacos no século XXI cristão.

Olympe de Gouges viveu durante o movimento francês como revolucionária, escritora e feminista, e em 1789, publicou “Os Direitos da Mulher e da Cidadã”, no qual reivindicava a abolição da submissão feminina à masculina, posteriormente, sendo forçada a se silenciar. Ainda praticando seus ideais, em 03 de novembro de 1793 foi processada e acusada, sendo sentenciada à guilhotina por querer se igualar ao homem, o que trairia a sua condição social de mulher. Suas atitudes se tornaram um legado.

Em 1993, a emissora norte-americana ABC, na série “The Wonder Years”, nas cenas de “The Little Women”, frisava que “as estruturas do poder tem sido as do homem branco de classe média. Agora muitas mulheres querem mudar seus destinos e procuram meios concretos para fazer isso. Na primavera de 1973, o movimento de liberação feminino estava no seu auge. A revolução progredia na América, mudando estereótipos e construindo novas estradas. Era uma época de consciência e expectativa, uma luta pela igualdade e liberdade”; uma tentativa de inclusão semelhante àquela, aproximadamente 200 anos antes, proferida por Olympe.

Estes fatos, bem como os demais representados pelas minorias étnicas, sociais e sexuais, desde a antiguidade, há 28 séculos, possuindo neste percurso um status ciclotímico, convivem com uma discriminação pela distinção do outro, o que gera um vínculo diferenciado sentenciando preconceitos, ocasionados, majoritariamente, por uma busca de poder, pelo interesse em territórios e, no mínimo, pela simples ausência do “sapere aude” kantiano.

Se ousassem descristalizar as ideias acerca do mundo e dos sujeitos, isto é, aquelas construídas histórica, psicológica, social e culturalmente, as pessoas compreenderiam que a gangorra exclusão-inclusão na atualidade possui um interesse, não totalmente distinto dos últimos séculos, e por estes oportunizados.

Pensando nas minorias étnicas, sociais e sexuais, se uma pessoa do conjunto majoritário reconhece que não existem recursos sociais, intelectuais e físicos que favoreçam a inclusão daquele milímetro ao quadrado, por exemplo, e, mesmo assim, legisla-se exigindo uma aplicação da temática, existe o interesse na mínima ou nula funcionalidade dela, visto que quem o aplica não obtém resultados positivos, e sim angústias; ou seja, subjetivamente tal ação se apresenta como programada para uma conservação do status quo social. E, atualmente, é semelhante também o que acontece com o conceito de Criatividade corrente nos âmbitos empresariais. Não deveria haver necessidade de incluir e excluir o que está.

No entanto, como persiste um processo preconceituoso para a inclusão, num duelo entre o ideal e o real, como uma fantasia de crianças, é significativo relembrar as ideias da filósofa Marilena Chaui em “Senso Comum e Transparência” (1996/1997), onde ela assegura que o preconceito é conservador e ignorante; ele exige que tudo seja familiar, próximo, compreensível e imediatamente transparente, mas sutilmente ele também exprime sentimento de medo, angústia e insegurança diante do desconhecido, e, admira o que não se compreende; o preconceito é, essencialmente, contraditório, ou seja, ama o antigo e deseja o moderno, confia na aparência, mas é temeroso; teme a sexualidade, porém deseja a pornografia, declara a igualdade entre os homens, porém se expõe como racista e sexista. Por isso, o preconceito se julga Imperador, não obstante, oculta medos e angústias, dúvidas e incertezas.

Não é necessário, portanto, apenas o ousar saber, a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade, mas também, a maturidade criativa e prostituta de reconhecer primeiramente sua própria identidade para posteriormente enxergar e ouvir a poética do outro, caso contrário, os entes do preconceito e da discriminação se isentando socialmente, somente se apresentam como uma ideia macilenta de fantasma: invisíveis, sem conteúdo e creem, defendendo-se, que possuem algum espaço quadrático.


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