domingo, 27 de dezembro de 2009

A Hipnose Anual

Hipnose é um método terapêutico multiprofissional, uma técnica que consiste em chegar a um estado mental, de não-sono, chamado de transe, em que a pessoa é induzida a tal situação por uma série de instruções rotineiras em uma voz suave.

O termo hipnose advém do grego hipnos (que é também um deus grego), significando sono e do latim osis definindo-se como ação ou processo. Diferente do que muitas pessoas possam possuir de informação, Sigmund Freud, não era psicólogo, mas psicanalista e idealizador desta, e também não foi o sugestionador da técnica hipnótica; há muitos anos ela já vinha sido usada crendo-se equivocadamente ser ela uma espécie de sono induzido.

É importante ressaltar que nem todos possuem condições pessoais para ser um hipnotizador ou um hipnotizado. A técnica justamente foi abandonada pelo psicanalista Freud, pois ele mesmo não conseguia aplicá-la em todos os seus analisandos e nem todos estes conseguiam entrar em transe, sendo que alguns autores consideram o método algo duvidoso e outros ainda, um método excelente; em ambos os casos, com seus respectivos estudos científicos.

Nessa compreensão, se propõe a todos serem hipnotizados, cada qual por si mesmo, aproveitando esse inventado transitar anual – que para os meios supersticiosos, é uma forma de renovar as esperanças de um novo ciclo −, para em um transe diferenciado, isto é, altamente consciente e ressignificante, possa refletir sensitivamente de como você pode existir sendo um ser de possibilidades, permitindo-se efetivamente criar, sendo o senhor de si, não alienado, identificando o seu ser só e estar com, bem como, reconhecendo a si e ao outro, emitindo constantemente intenso amor inventado.

E para um transe adequado, convém abrir os sentidos e experimentar (para alguns mais uma vez) o poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado “Passagem de Ano”:


O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e
[coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.



Complementando, Letícia Thompson, nos relembra que


Se pudéssemos ter consciência do quanto nossa vida é efêmera,
talvez pensássemos duas vezes antes de jogar fora as oportunidades [...]

Muitas flores são colhidas cedo demais.
Algumas, mesmo ainda em botão.
Há sementes que nunca brotam e
há aquelas flores que vivem a vida inteira até que,
pétala por pétala, tranqüilas, vividas, se entregam ao vento.

Mas a gente não sabe adivinhar.
A gente não sabe por quanto tempo estará enfeitando esse Éden
e tampouco aquelas flores que foram plantadas ao nosso redor.
E descuidados. Cuidamos pouco. De nós, dos outros.

Nos entristecemos por coisas pequenas e perdemos minutos e horas
[preciosas.
Perdemos dias, às vezes anos.
Nos calamos quando deveríamos falar;
falamos demais quando deveríamos ficar em silêncio.

[...]

Ainda é tempo de apreciar as flores que estão inteiras ao nosso redor. [...]



domingo, 20 de dezembro de 2009

Recantos de Experiências

O Ente é um ser sensível e racional, um humano passível de experimentar modificações ampliadoras.

Cientificamente, a experiência é um contato epistêmico que usualmente é perceptual e característico com aquilo que se apresenta a percepção, a memória, a imaginação e a introspecção. A experiência é o contato direto com certo conteúdo: ao olhar para uma árvore, cada um tem uma experiência característica de uma árvore; ao visualizar um carro, experiencia-se particularmente um carro; ao ouvir uma música, prova-se singularmente aquela música.

Assim, experienciando, e. g., quando entro em uma biblioteca pública ou particular, ao passar pela porta, sinto de imediato outro ambiente. No ambiente externo encontravam-se pessoas alvoroçadas, correndo, comprando, vendendo, discutindo, crianças chorando... variadas fisionomias, diversas experiências existenciais. No novo ambiente que entrei também encontro diversas pessoas e distintas existências; todavia, são personagens serenos que estão num local inteiramente tranqüilo, o que lhes possibilitam abrir seus sentidos e pensamento e absorver integralmente as idéias contidas num livro, revista, ou até mesmo numa pesquisa virtual, bem como em qualquer que seja sua atividade.

Por mais assustador que possa parecer para alguns de meus amantes, um local que irregularmente me apresento são os edifícios religiosos. Há alguns meses estive em um, e por lá fiquei umas duas horas, lendo um livro sem credos, devoção e sacramentos. Além de entrar em contato com a obra, pude observar pessoas que também entravam em um local à procura de ausência de turbulência para sentir a si mesmas, bem como a estética daquele espaço físico que para alguns é transcendental.

Entende-se que a experiência estética é decorrente de uma atmosfera afetiva, porque o ente capta cognitivamente as situações que o rodeiam através dos seus sentidos, manifestando possibilidades de sentimentos, e valorando o que contemplam.

Naquele templo, por intensos momentos alguns integrantes me observavam com aparente desdém, pois sabem que não sou religioso e havia a possibilidade de me expulsarem, visto que já vi em muitas celebrações o extermínio de alcoolistas e de moradores de ruas, que em suas compreensões, aparentemente poderiam insultar Deus ou até mesmo incomodar os pop-stars da moda que ali se encontravam: uma espécie de heresia moderna.

Durante minhas horas de residência naquele local de adoração, senti pessoas totalmente devotas, mas também sofredoras. Algumas buscavam perdão outras solicitavam proteção e auxílio contra enfermidades e crenças diversas, cada um com a sua petição de fé; e em alguns casos barganhavam com promessas. Nestas sensações, pude acompanhar durante o tempo que permaneci naquele castelo reinante, dois atores sociais que existiam sem lugar efetivo. Eles não possuíam endereço, documentos, e estavam abandonadas na e pela sociedade, porém nela existem. Como ficamos naquele local pelo mesmo intervalo de tempo eles me olhavam constantemente. Eu, sentado sempre ao fundo, continuando atenciosamente minha leitura e eles, localizados medianamente, e em extremos, cansados, várias vezes dormiam, constantemente sussurravam e experienciavam o local, podendo sentir-se protegidos, valorando-o como um espaço de abrigo e paz, até que outrem moral pudesse vir os incomodar.

Como sou um ente de existência universal, pode parecer estranho para muitos eu estar num local religioso. Contudo, para mim, é apenas um ambiente e o aprecio pela tranqüilidade quase inexistente na atualidade, e que oportunizam para as pessoas a se encontrarem e estarem em contato consigo mesmas, podendo até experienciar o seu ser só. Raramente frequento, porém ali, diurnamente comparecem existências sinceras de amor, todavia, às vezes hiper-dependentes. Apesar disso, é um dos recantos de experiências que possibilitam ao ser possuir um temporário espaço para momentos felizes, favorecendo aprendizado (registros existenciais) e modificações ampliadoras, e uma possibilidade de práxis para empregarem o verbo transitivo direto: Criar.


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