segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O Olhar Sobre a Tempestade

K., é uma pessoa jovial. Reclama ele que em seu quarto existe um senhor muito velho e que a imagem deste ser desconhecido o atormenta. Disse-me ele: “Assim que entro em meu quarto, lá está ele, encostado na parede; sempre no mesmo local, fitando-me. Eu o vejo assim que abro a porta, mas assim que me viro, não o vejo e não sinto sua presença”.

Diriam muitos que ele é um psicótico. Uma pessoa doente e que se encontra em um estágio grave de um transtorno psíquico, que o faz se ausentar da realidade. Porém, seu caso e ele comunicam muitas possibilidades.

Consideramos que a Linguagem é qualquer e todo sistema de signos que serve de meio de comunicação de idéias ou sentimentos através de signos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais, entre outros, podendo ser percebida pelos diversos órgãos dos sentidos, o que leva a distinguirem-se várias espécies de linguagem: visual, auditiva, tátil, gustativa, olfativa e sinestésica.

Durante um trabalho psicológico que minha amiga e eu realizamos em Oncologia, ouvimos variadas histórias de enfermos e de seus familiares. Uma delas é a de uma cansada senhora que acompanhava seu marido, juntamente com um casal de filhos, sendo a filha, próxima dos 40 anos de idade e atualmente viúva.

Realizando nosso trabalho, considerado pelos enfermos e familiares como muito importante, a senhora nos contou sua trajetória de vida. Seu esposo sofre há aproximadamente cinco anos, contudo não sabem o que o mesmo possa ter. Durante todos esses anos ele era medicado na cidade em que reside, todavia recentemente, o encaminharam para uma cidade onde pudesse averiguar a possibilidade de diagnóstico de câncer.

As descrições de sua esposa quanto aos fatos que ocorrem com seu marido não merecem ser descritas, pois isso não é um tratado médico; apenas relato seu desespero e incompreensão quanto às situações em que vivem devido a uma enfermidade desconhecida. Há muito sofrimento de toda a família, porém, ela nos relata o quanto sofreu e ainda sofre, porém, no presente nos narra com orgulho sua superação.

Ela nos informou o quanto sofreu no seu relacionamento pela agressividade do marido; a quantidade de vezes que apanhou e viu os filhos serem espancados; a variedade de situações em que foi obrigada a sentir frio, a dormir no quintal, por ser expulsa temporariamente de sua morada, e ainda calar os filhos para o descanso do esposo. Com lágrimas nos olhos e um sorriso acanhado de superação ela também expõe a diferença que foi o casamento da filha. Esta se casou, tem dois filhos, todavia hoje se encontra viúva devido a um infarto que acometeu seu incansavelmente amoroso marido. Alegrando-se, ela nos conta os benefícios no relacionamento que sua filha pode experienciar, mas ela não. Seu genro era O Genro; com sua filha era sempre atencioso, sempre estava perto da esposa e incansavelmente a elogiava, abraçava ou simplesmente a acariciava; enquanto papel de pai, ele estava construindo um lar ensinando os filhos o que é o carinho e amor; afirmou que ele nunca faltava.

Esta senhora é uma pessoa considerada Resiliente. Mesmo no sofrimento, pode suportar e ressignificar seus dificultuosos momentos, e hoje é ela quem cuida de quem a maltratou por anos.

Similarmente a essa história convém nos lembrarmos do lançamento, em 2008, do filme “The Life Before Her Eyes”. Ele conta a história de uma imaginativa e impetuosa adolescente que junto com sua amiga aguardavam ansiosas o fim dos últimos dias de colégio. Todavia, em um destes dias, um aluno comete um atentado na escola, assassinando vários alunos. A protagonista sobrevive, mas sua amiga não. Pelos próximos quinze anos, residindo na mesma cidade, porém com uma filha e um marido, ela ainda é atormentada, culpando-se pelo assassínio de sua jovem e melhor amiga. Durante a trama, podemos estar atentos não apenas as suas falas, mas a seus pensamentos que são emitidos como cenas às vezes obscuras de compreensão e tímidas aos recursos de flashes cinematográfico; essa é também sua linguagem. Ressignificativamente, ela revive todos os fatos e utilizando-se da capacidade que o ser humano tem de se restabelecer, que é profetizada desde os filósofos gregos, ela consegue construir uma existência estável se eximindo da culpa que na realidade apenas existiu em seu pensamento.

Em todos esses casos, podemos notar o uso de uma linguagem e a capacidade que o expressar linguístico possui, até mesmo para esse caso cinematográfico, em que a personagem utiliza-se de signos para movimentar o pensamento, que a auxilia a superar seus conflitos.

K. não existe em meu repertório de atendimentos psicoterápicos até o momento; mas já os vi, os ouvi e li. A história de K., aqui nos permite caminhar para a compreensão dos outros históricos descritos. Nos dois últimos casos, elas, cada qual a sua maneira usam o mesmo recurso que seria utilizado por K., que é o experienciar sua dor e num porvir compreender e reelaborar seus juízos sobre os momentos tempestuosos que viveram, utilizando, não quimicamente, colírio em seus olhos. Na realidade, K. tinha medo do envelhecer e de sua crença de que a idade traz o sofrimento; não existia um ancião em seu quarto, ele se refletia num espelho, mas via seu medo e seu sofrimento.

Houve aqui, sofrimento, angústias e ressentimentos, bem como de seus confluentes. Todavia, tais pessoas em sua singularidade o viveram como puderam; porém, criaram um novo significado a suas dores, o que lhes possibilitou o aprendizado e crescimento, tanto em si mesmo como dos que os observavam com um olhar atento.

Em todas as histórias, uma por uma, o sofrimento e a tempestade estiveram ocorrendo em dias distintos, e, utilizando o espelho de sua existência, sua personagem fixa sua face, revive seus conflitos e angústias oferecendo a si mesma uma harmonia que produz e cria sabedoria e crescimento, bem como felicidade; todos estes com brotos verdes – que demonstraram existir mesmo depois de tempestades de inverno –, florindo e se ramificando.


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